TRIBUTO A MEU PAI

Luiz Antonio Sega
Pitangas 2001

Sorvia o mate da cuia
Olhos mirando pro chão
Cheguei assim numa trancão
De gurizote bem baita
Pai me compre uma gaita
Filho preste atenção
Tu já tem teu violão
O dinheiro anda escasso
Por mais que tudo faço
Mal dá pras precisão

Plantando a terra molhada
Pelo suor da dura lida
Pra que não faltasse a comida
E também me dar estudo
Este homem fez de tudo
Que um pai pode fazer
Um dia sem me dizer
Somente pra meu agrado
Vendeu a junta do arado
E esta gaita eu pude ter

Cruzando o grande oceano
Pois tem origem européia
A gaita viu a epopéia
De nossa formação pampeana
Do gaucho fez-se hermana
Onde quer que ele ande
Na paz ou rubra de sangue
Se enraizou nesta querência
Hoje é clarim da existência
E a própria alma do rio grande

Chora e geme no meu toque
Quando passeio os dedos nela
E regando de canha a goela
Brotam notas no meu peito
Algumas vezes sem jeito
Debruçado sobre ela
Remoendo alguma mazela
D’alguma china sem amor
Repartindo a minha dor
Também chorei nos ombros dela

Tal uma china fogosa
Trago-a junto ao peito
Pego assim com jeito
Como possuindo uma china
Soluça, geme , se empina
No meu toque se incendeia
Pelas alças me enleia
Num retoço sem fim
Quando ta junto de mim
Até fica mais vermeia

Lotes de amigos e chinas
Nesta vida entropilhei
Mas foi tocando que juntei
As amizades e os amores
Por isto peço senhores
Registrem o meu pedido
Quando desta tiver partido
Para tocar na eternidade
Peço por caridade
Não ouvir nenhum lamento
Peço apenas por alento
Desta cordeona querida
Um acorde em despedida
É este meu testamento

Mas, lembra pai daquela junta
Tranco lerdo, bem mansinha
A única que nos tinha
Tu não era fazendeiro
Um galo no terreiro
Pra duzias de nanicas
A cusquinha pepita
E aquele petiço sogueiro
Mas a falta de dinheiro
Nem a todos prejudica
O caráter fortifica
Para quem tem honestidade
E a maior prosperidade
É o que alma edifica

E aquele rancho de tábuas
Bem no canto do potreiro
Nos dias de aguaceiro
Serviu de nosso abrigo
Sabe pai, eu te digo
Se eu pudesse, por um dia
Contigo eu voltaria
Sentar naquela cabana
Nesta minha vida urbana
Já não me sinto gente
Aqui tudo e sempre urgente
E nem tempo mais consigo
De poder sentar contigo
E matear de frente a frente

Carreta machado foice
No gelo da madrugada
Rachando garrão na geada
Piazito de pé no chão
Órfão de mãe e de pão
Sem tempo de ser menino
Ginete de seu destino
Que ele mesmo fez a doma
Um dia levou uma dona
Pra baixo do mesmo teto
E no rigor e no afeto
E mais uns caco de mobília
Ajeitou uma família
Fez filho e já tem neto

A ternura deste homem
Lhe esconde a alma sofrida
A mãe lhe deu somente vida
O pai só o sobrenome
Se o corpo penou a fome
A alma não se quedou
Os bois ele entregou
Mas pra ter a terra lavrada
Tinha que ir pedir emprestada
A junta que ele amansou

Gracias meu pai pela gaita
E pelo gaiteiro que sou
A tua vida me ensinou
A ter coragem e ter fé
E mais vale o que se é
Do que aquilo que temos
E o que somos e sabemos
Atentem meus senhores
É o que nos fez doutores
Tu doutor pela vivência
Eu, porque tive a ciência
Num banco de faculdade
Mas a minha universidade
E fiz na tua convivência

Hoje te vendo ali
Mateando nesta banca
Barba e melenas brancas
Servindo de moldura
Pra um retrato de ternura
Que espelha serenidade
Se fores pra eternidade
Primeiro do que eu
Leva um pedido meu
Que deixo por arremate
Ao findar o meu combate
E o patrão santo me chamar
Se lá for o meu lugar
Me espere, cevando um mate.