PITANGAS DO AMANHÃ

Luiz Antonio Sega

“Tio Sigui, eu quero falar
Aqui neste altar costeiro
Tenho o aval de meu pai
Teu irmão e teu parceiro
Que hoje me trouxe aqui
Pois eu sou seu companheiro
Te faço então um pedido
Eu posso ser pitangueiro?”

Licença patrão Sigui
E aos demais peço atenção
Batendo a poeira do chão
Que me trás de Chapecó
Desato na goela um nó
Que embarga o que te digo
Meu irmão, parceiro e amigo
Peço permisso companheiro
Pois trago assim por primeiro
Este, que nunca viu
Nem a pitanga e nem o rio
E pede pra ser pitangueiro

Nasceu como muitos nascem
Num catre de hospital
La na coxilha do regional
Bem na hora da ave Maria
Lembro bem daquele dia
Que sua mãe lhe deu a luz
Com a emoção que me conduz
E com todo meu direito
Lhe peguei meio sem jeito
Das mãos de uma enfermeira
Sentindo por vez primeira
Um afago peito a peito

Não querendo me comparar
Por isso não leve a mal
Eu não tive hospital
Com doutores, enfermeira
Tive somente avó parteira
Especialista em benzedura
Se não me fizesse a cura
Eu nem teria me salvado
Nasci meio antecipado
Entre lamentos de ai ui ui
E por pouco quase me fui
Nem bem tinha chegado

Como é lá nas pitanga
Eu lembro que tu me disse
Foi necessário que sentisses
É que a razão não compreende
Pitanga não se entende
E não por seres criança
É que só a alma alcança
Pois pitanga e sentimento
É oração, um sacramento
Num templo de nativismo
Onde faço teu batismo
Se tiver consentimento

Sangue de meu sangue
Que verteu de minha sanga
Te apresento, filho, a pitanga
O Uruguai e os parceiros
Consagrados pitangueiros
Que aqui fincaram raízes
E agora quando me dizes
Pai, eu posso ir junto?
Não mudo mais de assunto
E nem mais desconverso
Se depender de meu verso
És parte deste conjunto

Vejo também meu patrão
Outros brotos de pitanga
Juntos na beira da sanga
Os filhos de pitangueiros
Cleber , André, os primeiros
Eduardo, Marcelo Bishof, Fernandinho
Vejo o Tiago e o Tulinho
Poetas e quase doutores
Voam com asas de condores
Mas aqui está sua raiz
Pois são crias de porto feliz
A Mondaí dos cantores

Vocês dois, crias do Sigui
Prestem bem atenção
Um dia herdarão este chão
Por registro em documento
Mas há um testamento
No coração de teu pai
Esta beira de Uruguai
Nos deu por uso capião
Pagamos em devoção
E na gratidão mais bela
Nunca cerrem a cancela
Eu creio que tu me endossa
Pois se esta terra não é nossa
É que nós já somos dela

Hoje, filho, na hora do mate
Te vi proseando contente
Junto com outro vivente
Teu amigo Junior Bidu
Estampa mirim de xiru
Que um pai carrega consigo
Que além de ser meu amigo
É meu igual, de cepa e cerno
Justo, leal e fraterno
Um exagero de boa gente
E o biduzinho certamente
Aprendeu no seu caderno
Pois quem sabe ser paterno
Cultiva bem a semente

Leonardo, meu caro Leonardo
Não pense que te esqueci
És filho da dona Sueli
E o teu pai se chama sorriso
Eu lembro de teu improviso
No ritual de dois mil e um
Nos fez chorar um a um
A tua pequena figura
Trouxe um cepo em miniatura
Um machadinho, e eu relato
Que na pureza do teu ato
Saltou cavacos de emoção
Pois pegou bem no coração
Do filho do viramato

E ao patrão lá de cima
Eu mando um recado daqui
Olhe sempre pra estes guri
E os conduza na boa trilha
Deus, tradição e família
Terra, honra e liberdade
Amantes fieis da verdade
No rosto a serena imagem
Dos que venceram na coragem
O vento a o frio e a chuva
E remando na timbauva
Chegaram um dia aqui
Que a pitanga que tá ali
De - lhes sombra e fruta sã
Pra que os pitangas do amanhã
Voltem sempre a Mondaí

E tu , és um ramo de pitanga
Pois brotaste desta semente
Serás cerne certamente
Destes, que morre e não cai
Seja livre como o Uruguai
Já que és água desta vertente
Encare a vida de frente
Pelos fundos nunca se sai
Seja igual a teu pai
Que embora homem valente
Tem fama de boa gente
Melhor amigo, não hay

Como a água deste rio
Que mansamente se vai
Um dia também o teu pai
Vai matear na eternidade
E se acaso vier a saudade
Querendo lhe botar banca
Vem pra junto da barranca
Ouvir o canto da terra
Estarei aqui a espera
Pois assim eu decidi
Sempre estarei por aqui
Na pitangas da primavera

Pegue pra ti meu pala
O meu lenço e a minha faca
E a minha herança mais grata
Esta gaita colorada
Bote teus sonhos na estrada
E aprenda com tua vivência
Busque também a ciência
La, no ensino da cidade
Mas entenda que a liberdade
Não tá no anel e na toga
E que nenhum santo advoga
A quem se sujeita na canga
E não vai honrar a pitanga
Quem prende os sonhos na soga

Que deus olhe pra ti
Sempre peço em oração
Que te faça um homem bom
E te condena desde cedo
A alma na ponta dos dedo
E na garganta um clarim
Pois se fores igual a mim
Eu penso que é suficiente
Me de um abraço vivente
E abrace teus parceiros
Vos apresento, pitangueiros
Meu filho Daniel Vicente.