PESCARIA EM MISSIONES

Luiz Antonio Sega

E de novo a mim me compete
Relatar os fatos das barrancas
E essas estórias já são tantas
Que já quase me compromete
E sempre há um fato que promete
E que não dá pra deixar passar
Seria um crime não declamar
Sobre os que bebem e perdem o senso
Uns viram o barco, uns cortam lenço
E alguns outros que vão pescar

Que pescaria que nada
Eu fui lá pra ficar a toa
Pra matear numa sombra boa
Sentado a beira do rio
Mas o que vi e quase ninguém viu
Tento contar na minha rima
O Valdir e o pingo de mãos pra cima
Sob a mira de um fuzil
Só porque tinham saído do Brasil
Pra ir pescar na argentina

Depois de tomar cinco ou seis
Daqueles litrões de Brahma
Foram pras águas castelhana
Pra largar uns espinheis
Passava pouco das dez
Daquela manhã serena
Quando ouvi olhando pra cena
La nas barrancas de missiones
Estan detenidos, maricones
Gritaram, mostrando as algemas

Que que é isso, my hermano
Gaguejou o Valdir, algemado
Mas o negocio foi ir sentado
Mais teso do que um bodoque
Num barco levado a reboque
Pra gendarmeria da missão
Um gendarme que só dizia palavrão
E o Valdir não entendendo nada
E só foi saber na retirada
Que o cujo falava alemão

Vem ca, tu não me conhece?
Yo soy Valdir, lá de Mondaí
Olha meu documento aqui
Que que é isso “semos amigo”
Pensa bem no que te digo
Sou o oitavo vice patrão
Conheçe o Patias, aquele do violão?
E o Sega, que vive escrevendo?
E acho bom tu ficar sabendo
Que o Siegfried é meu irmão

A situação ai que piorou
Depois de dadas as referências
Os gendarme já tinham ciência
Dos pitangueiros de Mondaí
Nossa fama não fica aqui
Pois já são quinze anos a fio
Mas não entende quem nunca viu
Que aqui a amizade entoa
Que aqui só da gente boa
Maiores amigos do rio

E aquele parceiro do Valdir
Tinha tomado umas a mais
Subiu tropicando no cais
Se segurando pra não cair
E de borracho, se tacou a rir
Bem na frente do castelhano
Cual es tu apellido, paisano?
Lhe intimou o gendarme
Ele respondeu buenas tarde
Yo soy el pingo ,my hermano

Aí mesmo que fedeu os pano
Ficou roxo o gendarme
Pra começar não era de tarde
E o castija não era hermano
E pingo, pingo em castelhano
Não é assunto para debate
Então eu tive que largar do mate
A erva tava mesmo lavada
Fiz uma ligação pra casa rosada
E consegui providenciar o resgate

Vejam meus caros senhores
Analisando a situação
Que essa tal de globalização
Sempre falada com louvores
E que irmana todas a cores
Por la não tinha nem sinal
Mas nossos amigos, bem ou mal
Naquela baita borracheira
Quase causaram na fronteira
Um incidente internacional

Como vivir sin cadenas
Y sin cadenas morrir
É uma música que o Valdir
Cantarolava com voz serena
Mas hoje eu sinto até pena
Vejo ele estudando demais
Sobre relações internacionais
Livre comercio, America Latina
Mas pescar lá na argentina
Eu acho mesmo é que nunca mais.