LANCEIRO DE PORONGOS

Luiz Antonio Sega 05/06

E  foi mesmo uma “surpresa”
O que aconteceu em porongos
Dizem que o combate foi longo
Mas foi mais longa a vergonha
Pois naquela peleia medonha
A última da revolução
Pra cada branco no chão
Tinha cinco preto caído
Sangue negro destemido
Derramado por traição

Diacho, como  chovia naquela noite
No velório do Sebastião
Um lampejo e um trovão
Prenunciava noite longa
E era como compasso de milonga
O soluçar da negra viúva
Pelas frestas entrava chuva
Mesclada as lagrimas no chão
Quase apagando um tição
De um cerne de cabriúva

E fardado apenas por trapos
Ai estava um tenente
Ganhara  por bravura a patente
Por lanceiro dos mais guapos
E pra velar aquele farrapo
Uma viúva,  um toco de vela
Um rancho virado em capela
Sem nenhum santo  ou santa
E um grito preso na garganta
De dois negrinho magricela

Quase um ano tinha se ido
Pensando que logo voltasse
Beijou a negra num enlace
Afagando-lhe a  barriga cheia
Tenho que ir para  a peleia
Disso montando a ruana
Pois chegou uma gente tirana
Que tenho que dar quartel
E conforme bento, o coronel
É só um questão de semanas

Esperar, lutar  e esperar
Tinha sido esta sua sina
Nem tinha mais  lagrimas a china
Pra regar a aridez da espera
Ele, peleando na guerra
Ela, parindo  mais um piazito 
Mas seus dias eram infinitos
Nas securas de outono
E a noite nunca trazia sono
Pra um rosto moreno e bonito

Por vezes na madrugada
Se acaso o sono chegava
Num sonho a negra enxergava
O Tião na curva da estrada 
Pala solto em revoada
Ia terminar a sua espera
Trazia flores brancas de primavera
E junto um beijo demorado
Como se fosse assim um noivado
Daqueles que nunca tivera  

E do sonho  pra um sobressalto
Num pesadelo de dias “atrais”
Quando um pelotão de imperiais
Ali tinha batido de assalto
E lhe levaram assim por alto
Seis galinhas, duas ovelhas um boi
Só a honra é que não se foi
Porque se escondeu nos matos
E uma piquete  de farrapos
Lhe acudiu logo depois

E naquele fim de tarde
Que já prenunciava temporal
La por detrás de um banhadal
Um quero-quero fez alarde
Pedrinho venha não tarde  
Deve ser o pai voltando
Disse o Juca gritando
Correndo pra o vau do passo
Quem sabe um brinquedo, um abraço
Que há muito “tava” esperando

Quem será o papai, pensou Pedrinho
Olhando um a um os negros da tropa
Será aquele que tem bota
O de xiripá ,o que monta o cabano
Quem será aquele coberto por um pano
De três cores, virado em crivo
Que parece não tá mais vivo
Veio de atravessado na  sela
Um corte feio na guela
E a boca sangrando no estrivo

Sinha,  trouxemos o Sebastião
Pedimos que enterre o tenente
Morreu peleando valente  
Disse o de bota,  um capitão
E o foram deitando ao  chão
Aos pés da negra,  do Juca e do Pedro
E ali estava  o triste brinquedo
Que lhes trazia o destino
Pra aqueles pobres menino
Que até prá  chorar tinham medo

E agora ali, num canto da sala
O que lhes ficava por herança
Um lenço, uma  adaga, uma lança
A encilha o chapéu e o pala
Uma avental bem dobrado na mala
Junto a velha carta de alforria
A bandeira que ele trazia
Quando ali chegou defunto 
Essa,  essa ele levaria junto
Como mortalha que lhe cobria

Se vão altas as horas
O toco de vela sumindo
Pedrinho se pegou dormindo
No colo daquela senhora  
A chuva acalmou lá fora
O Juca ajeitou o tição
O dia não tarda, há um clarão
Logo uma vala na beira do mato
Guardará pra sempre um farrapo
Ali jaz o lanceiro Sebastião.